Sempre
que eu quis esquecer alguma mulher que me causou enormes dissabores, procurei
meios de denegri-la. Obsessivamente, tentava detectar vícios de linguagem,
mínimos defeitos físicos e morais, farejar incompatibilidades hormonais e
conflitos entre os feromônios. Entretanto, o resultado era catastrófico. Ao
final destes ridículos exercícios mentais, o fascínio que ela exercia sobre mim
aumentava radicalmente.
terça-feira, 29 de março de 2011
quarta-feira, 23 de março de 2011
Mais aforismos de um misantropo domesticado
Desaforismos de um misantropo semidomesticado
A ele foi dada a sentença mais cruel. Forçado a enxergar todas as
consequências dos seus atos, projetos e omissões, sucumbiu a esta clarividência
e mergulhou numa atonia atroz. Mineralizou-se.
***
Deve-se
fugir daqueles que insistem em engaiolar a complexidade dos fenômenos,
reduzindo-a a sua experiência tacanha. Tais seres têm uma cantilena muito
peculiar: “a vida me ensinou que não se pode...”, “nos meus longos anos de
experiência, concluo...”, etc. Assemelham-se a personagens de uma ópera-bufa
cuja comicidade liga-se à extrema importância que conferem a si mesmos e à
pretensiosa eficiência de suas ações.
***
A vida não ensina coisa alguma. Ela segue seu obscuro itinerário,
enquanto a vilipendiamos com interpretações que confirmam nossa irreprimível
tagarelice.
Em vez de amaldiçoá-los, temos de ser gratos aos nossos caluniadores.
Graças à sua abençoada maledicência, semeiam um deserto ao nosso redor e nos
livram de uma legião de seres tóxicos e impertinentes. (versão de um aforismo de Cioran)
***
Comparados
aos urros cotidianos e à tagarelice tóxica que sou obrigado a suportar, os
zunidos de um pernilongo me remetem a uma cantata de Bach.
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O clichê e as convenções são a segunda medula dos homens.
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O exílio dos contemplativos
A extroversão deslavada e a carnavalesca apoteose das personas foram as
causas do êxodo dos introvertidos.
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No fundo de todas as minhas reflexões está a perenidade do spleen.
Ao procurar um psicólogo, não queria receber a compreensão forjada, o
acolhimento estudado, muito menos os inúmeros eufemismos que aniquilam a
possibilidade do encontro. Apenas desejava que o consultório tivesse isolamento
acústico. Era urgente a necessidade de extravasar seus gritos e a fúria de
existir.
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Um psicólogo que tenta me adaptar a um mundo em ruínas: não há algoz
mais perigoso...
***
Um transtorno obsessivo compulsivo sui generis
Desesperado pela sujeira dos conceitos e usos linguísticos, procurava,
obsessivamente, a limpidez da fonte etimológica. A fim de se satisfazer com a
virgindade das palavras, estudava a fundo o grego, o aramaico, a escrita
cuneiforme dos sumérios, os ideogramas chineses. Mas, para sua infelicidade,
constatou que a pureza da experiência sempre foi intoxicada pelos
artificialismos dos vocábulos.
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