terça-feira, 29 de março de 2011


Sempre que eu quis esquecer alguma mulher que me causou enormes dissabores, procurei meios de denegri-la. Obsessivamente, tentava detectar vícios de linguagem, mínimos defeitos físicos e morais, farejar incompatibilidades hormonais e conflitos entre os feromônios. Entretanto, o resultado era catastrófico. Ao final destes ridículos exercícios mentais, o fascínio que ela exercia sobre mim aumentava radicalmente.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Mais aforismos de um misantropo domesticado


Desaforismos de um misantropo semidomesticado

A ele foi dada a sentença mais cruel. Forçado a enxergar todas as consequências dos seus atos, projetos e omissões, sucumbiu a esta clarividência e mergulhou numa atonia atroz. Mineralizou-se.

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            Deve-se fugir daqueles que insistem em engaiolar a complexidade dos fenômenos, reduzindo-a a sua experiência tacanha. Tais seres têm uma cantilena muito peculiar: “a vida me ensinou que não se pode...”, “nos meus longos anos de experiência, concluo...”, etc. Assemelham-se a personagens de uma ópera-bufa cuja comicidade liga-se à extrema importância que conferem a si mesmos e à pretensiosa eficiência de suas ações.

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A vida não ensina coisa alguma. Ela segue seu obscuro itinerário, enquanto a vilipendiamos com interpretações que confirmam nossa irreprimível tagarelice.


Em vez de amaldiçoá-los, temos de ser gratos aos nossos caluniadores. Graças à sua abençoada maledicência, semeiam um deserto ao nosso redor e nos livram de uma legião de seres tóxicos e impertinentes. (versão de um aforismo de Cioran)

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            Comparados aos urros cotidianos e à tagarelice tóxica que sou obrigado a suportar, os zunidos de um pernilongo me remetem a uma cantata de Bach.

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O clichê e as convenções são a segunda medula dos homens. 
           
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O exílio dos contemplativos
A extroversão deslavada e a carnavalesca apoteose das personas foram as causas do êxodo dos introvertidos.
                                                             
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No fundo de todas as minhas reflexões está a perenidade do spleen.

Ao procurar um psicólogo, não queria receber a compreensão forjada, o acolhimento estudado, muito menos os inúmeros eufemismos que aniquilam a possibilidade do encontro. Apenas desejava que o consultório tivesse isolamento acústico. Era urgente a necessidade de extravasar seus gritos e a fúria de existir.
                                                                   
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Um psicólogo que tenta me adaptar a um mundo em ruínas: não há algoz mais perigoso...
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Um transtorno obsessivo compulsivo sui generis
Desesperado pela sujeira dos conceitos e usos linguísticos, procurava, obsessivamente, a limpidez da fonte etimológica. A fim de se satisfazer com a virgindade das palavras, estudava a fundo o grego, o aramaico, a escrita cuneiforme dos sumérios, os ideogramas chineses. Mas, para sua infelicidade, constatou que a pureza da experiência sempre foi intoxicada pelos artificialismos dos vocábulos.