segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Sempre nutri a ideia de realizar uma descrição dos diversos tipos de loucos que infestam o planeta. Faria esse trabalho gratuitamente. Teria um grande prazer se ele fosse solicitado por um extraterrestre ávido de conhecimentos sobre a espécie humana. Faria uma exaustiva súmula dos nossos milenares desvarios. Mas, como exercício de síntese, serei breve.
Na realidade, os humanos se dividem essencialmente em duas categorias (que, obviamente, se dividem em uma miríade quase infinita de sub-categorias): os loucos brandos (ou poéticos) que, excessivamente sensíveis, só prejudicam a si mesmos com suas divagações. Alguns deles, os chamados sábios e santos, conseguem transfigurar sua moléstia psíquica, atenuar o peso dessa hipersensibilidade, imprimindo certo aspecto artístico às suas obras. Em alguns casos, suas ideias fazem relativo sucesso e acabam se convertendo em evangelhos, oráculos milenares, diálogos filosóficos, etc. Os loucos brandos são facilmente solapados pelo mundo, uma vez que não aguentam o fardo da convivência forçada, repudiam dogmas e não têm a menor condição de se adaptar a quaisquer sistemas sociais, econômicos, etc. Além disso, fazem de suas existências uma versão poética de sua loucura, fenômeno que abala as estruturas das sociedades nas quais se inseriram. Por fim, falta-lhes força para varrer a opressão que sofrem da outra categoria de insanos, sempre hegemônica, constituída pelos loucos agressivos. Estes insistem em impor aos outros as convulsões de seu tresloucado universo psíquico. Crêem-se úteis, indispensáveis, seres dos quais depende o funcionamento do universo. Quando afundam, arrastam multidões com eles. Eles são o prodígio da evolução das espécies, sua coroação absoluta, pois desenvolveram engenhosos mecanismos de sobrevivência e adaptação, todos fundados na aniquilação (física ou psicológica) do outro. Tal casta tem crescido exponencialmente e seus representantes são onipresentes: Líderes políticos e religiosos, dirigentes de consultorias, empresas, estados e nações, o rol é infinito. Os loucos agressivos resistem a vírus, pragas, revoluções, são seres fatalmente longevos. A Terra perecerá por obra deles, muito antes da morte do sol.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Toda pessoa que se revela demais acaba sofrendo de uma doença gravíssima: a anemia ontológica.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Triste testemunho de humanos quase extintos

Vejo um vendedor de algodão doce. Tem a fisionomia vincada pelo trator da vida, os olhos tristes, as roupas rotas, tudo contrasta radicalmente com o alegre simbolismo cor-de-rosa do algodão doce. Surge uma criança, cuja alegria descompromissada parece um desrespeito pela tristeza do vendedor. Ela comprou o algodão – que lhe parecia o maior dos tesouros – e o vendedor contou os trocados, suspirou fundo e continuou a arrastar o peso dos seus algodões que, para ele, pareciam ser apenas estorvos açucarados. 


Ao flanar pelas ruas, vejo um ancião. Cabelos desgrenhados, olhos ternos e levemente desconectados da realidade. Andava devagar, costas arqueadas, todos seus movimentos denotavam um cansaço desse mundo povoado pelos úteis e eficientes. Ele empunhava um saco repleto de farelos. 
De repente, o arremesso lúdico de farelos e a apoteose dos pombos. Ao alimentá-los, sua fisionomia se alegrou, a vitalidade surgiu, seu olhar se conectou poeticamente com os pombos que, para ele, eram a verdadeira realidade. Ao seu redor, as fisionomias plúmbeas condenatórias, a multidão narcotizada pela realidade com “r” minúsculo, os andróides de terno e gravata, todos lhe dardejavam olhares metálicos e soltavam risos de zombaria. Na fisionomia cruel de todos, via-se o atestado de nomadismo do ancião: “é um pária, lunático, ridículo”. Esse discípulo de São Francisco de Assis sentiu tais golpes, mas, altivamente, continuou a alimentar seus pombos-amigos. Seu reino não era desse mundo.