Triste
testemunho de humanos quase extintos
Vejo um vendedor de algodão doce. Tem a fisionomia
vincada pelo trator da vida, os olhos tristes, as roupas rotas, tudo contrasta
radicalmente com o alegre simbolismo cor-de-rosa do algodão doce. Surge uma
criança, cuja alegria descompromissada parece um desrespeito pela tristeza do
vendedor. Ela comprou o algodão – que lhe parecia o maior dos tesouros – e o
vendedor contou os trocados, suspirou fundo e continuou a arrastar o peso dos
seus algodões que, para ele, pareciam ser apenas estorvos açucarados.
Ao flanar pelas ruas, vejo um ancião. Cabelos
desgrenhados, olhos ternos e levemente desconectados da realidade. Andava
devagar, costas arqueadas, todos seus movimentos denotavam um cansaço desse
mundo povoado pelos úteis e eficientes. Ele empunhava um saco repleto de
farelos.
De repente, o arremesso lúdico de farelos e a apoteose dos pombos. Ao
alimentá-los, sua fisionomia se alegrou, a vitalidade surgiu, seu olhar se
conectou poeticamente com os pombos que, para ele, eram a verdadeira realidade.
Ao seu redor, as fisionomias plúmbeas condenatórias, a multidão narcotizada
pela realidade com “r” minúsculo, os andróides de terno e gravata, todos lhe
dardejavam olhares metálicos e soltavam risos de zombaria. Na fisionomia cruel
de todos, via-se o atestado de nomadismo do ancião: “é um pária, lunático,
ridículo”. Esse discípulo de São Francisco de Assis sentiu tais golpes, mas,
altivamente, continuou a alimentar seus pombos-amigos. Seu reino não era desse
mundo.
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