sexta-feira, 11 de abril de 2014

Triste testemunho de humanos quase extintos

Vejo um vendedor de algodão doce. Tem a fisionomia vincada pelo trator da vida, os olhos tristes, as roupas rotas, tudo contrasta radicalmente com o alegre simbolismo cor-de-rosa do algodão doce. Surge uma criança, cuja alegria descompromissada parece um desrespeito pela tristeza do vendedor. Ela comprou o algodão – que lhe parecia o maior dos tesouros – e o vendedor contou os trocados, suspirou fundo e continuou a arrastar o peso dos seus algodões que, para ele, pareciam ser apenas estorvos açucarados. 


Ao flanar pelas ruas, vejo um ancião. Cabelos desgrenhados, olhos ternos e levemente desconectados da realidade. Andava devagar, costas arqueadas, todos seus movimentos denotavam um cansaço desse mundo povoado pelos úteis e eficientes. Ele empunhava um saco repleto de farelos. 
De repente, o arremesso lúdico de farelos e a apoteose dos pombos. Ao alimentá-los, sua fisionomia se alegrou, a vitalidade surgiu, seu olhar se conectou poeticamente com os pombos que, para ele, eram a verdadeira realidade. Ao seu redor, as fisionomias plúmbeas condenatórias, a multidão narcotizada pela realidade com “r” minúsculo, os andróides de terno e gravata, todos lhe dardejavam olhares metálicos e soltavam risos de zombaria. Na fisionomia cruel de todos, via-se o atestado de nomadismo do ancião: “é um pária, lunático, ridículo”. Esse discípulo de São Francisco de Assis sentiu tais golpes, mas, altivamente, continuou a alimentar seus pombos-amigos. Seu reino não era desse mundo.